novembro 15, 2011

ecdise

eu mudo.
e não sou forte o bastante para lidar com essas mudanças.
a cada uma delas, perco uma parte de mim. temo que esteja deixando perdidas partes vitais.
não insistirei na nostalgia de ter de volta a infância. as mudanças são inevitáveis e essenciais, afinal, e a cada espaço liberado por um dos destroços de minha personalidade que se soltam, maior a minha nova capacidade de absorção.
mas elas são imprevisíveis, também, e sutis.
só me darei conta de que aconteceram quando encontrar o meu antigo exoesqueleto habitando uma recordação e assumindo um papel completamente diferente daquele que espera-se que eu assuma hoje.
me desculpe. fui pega desprevenida - não existem providências que possam ser tomadas para evitá-las ou torná-las menos drásticas.
embora essas partes que fui deixando cair talvez não me pertençam mais, a única coisa que preciso esclarecer, e muito provavelmente a única atitude que sou capaz de tomar diante do fato da minha instabilidade, é que eu nunca serei eu sem todas essas partes.
eu posso tê-las abandonado, mas elas ainda me são.
que essas partes pudessem entender que se são partes é porque compõem um todo. se são partes é porque são minhas.

setembro 28, 2010

Abro os olhos. O tum-tum incansável é só o meu coração, inocente, que ainda não percebeu que se tratava de um sonho, apenas. Um sonho.
Pisco três vezes, tentando recapitular. Um lago. Dois lagos. Azuis. Não. Dois olhos. Ah sim, aqueles olhos. E dois narizes encostados, e dois lábios e... Flores.
Ah. Céus. Parecia perfeito. Todos os problemas foram levados pelas águas do lago... Espere. Eram olhos. Mas, sim, não havia preocupações. Parecia certo.
Uma onda súbita de felicidade me invade - certo, perfeito. E vai embora - sonho. Não é real.
Não é real.
Aperto meus olhos. Tento voltar.
Impossível.
Não é real.

setembro 05, 2010

i can't spend my whole life hiding my heart away

Aquele balão apareceu. Sozinho, cor-de-rosa. Em forma de coração. Meus olhos brilharam e me apressei em pegar. Ele fugiu. Levantou vôo e simplesmente desapareceu.
Eu sorri brevemente. Estúpido se achou que eu desistiria assim tão fácil. Corri, pulei, estiquei os braços. Então ele começou a se aproximar. Pisquei duas vezes - não esperava por isso. Dei alguns passos para trás antes de me virar e correr. Não só um, mas dezenas de balões agora me perseguiam. Qualquer um que olhasse os acharia inofensivos. Eu não. Sabia que eles eram uma ameaça. Corri e fugi por tempo além do que posso calcular. Então parei. Desisti. Me rendi.
"E, talvez, nem seja eu o seu alvo" - pensei. "Afinal, por que iriam me querer?" Errado.
Quando todos começaram a passar por mim, pensei estar livre. Mas um se aproximou timidamente e me fez sorrir. Segurei o cordão e me deixei levar por ele. Não é ruim como eu temia - é maravilhoso.
Eu amo, e amo amar.

maio 17, 2010

_Tu olharás, de noite, as estrelas. Onde eu moro é muito pequeno, para que eu possa te mostrar onde se encontra a minha. É melhor assim. Minha estrela será então qualquer das estrelas. Gostarás de olhar todas elas... Serão, todas, tuas amigas. E depois, eu vou fazer-te um presente.
Ele riu outra vez.
_Ah! Meu pedacinho de gente, meu amor, como eu gosto de ouvir esse riso!
_Pois é ele o meu presente... Será como a água...
_Que queres dizer?
_As pessoas tem estrelas que não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. Mas todas essas estrelas se calam. Tu, porém, terás estrelas como ninguém...
_Que queres dizer?
_Quando olhares o céu de noite, porque habitarei uma delas, porque numa delas estarei rindo, então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem rir!
E ele riu mais uma vez.
_E quando te houveres consolado (a gente sempre se consola), tu te sentirás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo. Terás vontade de rir comigo. E abrirás às vezes a janela à toa, por gosto... E teus amigos ficarão espantados de ouvir-te rir olhando o céu. Tu explicarás então: "Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!" E eles te julgarão maluco. Será uma peça que te prego...
E riu de novo.
_Será como se eu te houvesse dado, em vez de estrelas, montões de guizos que riem...
E riu de novo, mais uma vez.

Antoine de Saint-Exupéry - O Pequeno Príncipe

maio 06, 2010

Abro os olhos, olho pela janela. "Por que isso acontece comigo?", penso.
A verdade, eu já sei. Isso que tanto incomoda a gente, nosso
"grande problema", nem sempre é um grande problema. Porque cada um interpreta do seu jeito. Converso com uma amiga, ela me diz que perdeu o grande amor da vida dela. Pra mim, esse garoto, o grande amor da vida dela, é só um idiota qualquer, que você encontra aos montes em cada esquina onde passar. Mas ela abaixa a cabeça e diz que os grandes problemas só acontecem com ela. Conto do meu grande problema e ela diz que tudo vai ficar bem. Na verdade, isso é só um jeito amável que ela encontra pra dizer que o meu grande problema não é nada se comparado ao problema dela, que é só uma idiotice temporária minha e que eu logo vou esquecer e arrumar outra coisa pra me ocupar a cabeça. Por mais que doa, é verdade. O meu grande problema é só uma coisinha a toa, que corresponde aos meus interesses e só aos meus. Ninguém liga pra ele, é só uma coisa egoísta minha, certo? E o grande problema da minha amiga é um problema só dela, também. A gente não pode chamar nenhum dos dois de grande problema. O grande problema das pessoas é que elas diminuem a sua própria capacidade de enfrentar obstáculos e aumentam o tamanho dos problemas. Existem tantos problemas no mundo, e se todas as pessoas se ocupassem somente com os seus "grandes problemas", o mundo não passaria de uma grande montanha de lixo e emoções mortas. Fecho os olhos, dou um grande sorriso. Encontrei a solução para o meu grande problema.

july 25th, 2008

maio 03, 2010

this is goodbye

Ela tinha o sorriso mais branco, os olhos mais brilhantes e seu cabelo descia em ondas castanho claras pelas costas.
Gostava de animais e música, tocava violino, bateria e saxofone, sonhava em se casar e ter dois filhos, comia chocolate sem culpa, mas exibia o corpo perfeito.
Eu a amava. Pena que ela não existisse.
Então havia outra. Feia, muito feia. Seu sorriso parecia adorável, mas seus dentes ainda não eram brancos. Não como eu queria. Seus olhos não tinham toda a luz que eu esperava. Insistiam em transmitir as malditas emoções, o que me irritava. Quando ficava triste, seus olhos eram opacos. Horríveis. Detestava olhá-los. Fugia.
Seus cabelos eram amarelos. Dependendo da posição do sol, poderiam parecer dourados. Mas eram amarelos. E lisos.
Tinha alergia a cães. Alergia! Não podia nem se aproximar de um. Tinha um aquário com peixes, mas peixes são tão superficiais. Devia amar todos os animais, sem distinção.
Sim, gostava de música. Tocava violão. Mas só. Tão comum.
Queria se casar, mas não pensava nisso na época. Achou absurda a ideia de eu já ter nomes pré-definidos para os meus filhos ainda não concebidos.
Adorava chocolates, mas, se reparássemos bem, veríamos uma gordurinha aqui e outra ali.
Não gostava dela. Não gostava do seu sorriso e da sua satisfação por ser quem era. Ela nem chegava perto de ser perfeita, como podia sorrir?
Eu a evitava. Ela me perseguia. Em nenhuma das vezes que nos encontramos fora minha culpa. Era sempre por acaso. Morávamos na mesma rua e era natural que eu passasse pela sua casa. Por que ela insistia em me cumprimentar?
Mas como a educação não me faltava, sempre respondia. Às vezes, conversávamos sobre o tempo ou alguma tragédia recente. Um dia, me chamou pra entrar. Tomamos chocolate quente. Ela sorria. Olhando de perto, suas gordurinhas não faziam muita diferença. E seu sorriso... Eu gostava dele.
Quis tocar para que eu ouvisse. Consenti, não por educação, queria ouvir.
Eu disse que violão é comum? Não, é maravilhoso. O jeito que ela mexia seus dedos, e sua franja caía em seu rosto, e seus lábios dançavam no ritmo. Ela cantava. Não sabia que ela cantava. E a música era composição sua. Perfeita.
_O que disse?
Perfeita. Seus olhos sorriam de uma maneira maluca, estavam, não luminosos, mas lindos, encantadores, perfeitos. E seus cabelos atraíam meus dedos como imãs. E seus lábios.
Um dia, comprei para ela um anel. Da cor dos seus cabelos. Nos casamos, e tivemos três filhos. Fui pego de surpresa. Não tinha nomes o suficiente. Sem problemas. Ela inventou outros três. E pareciam perfeitos pra mim.
Fomos a um concerto. De uma velha amiga dela. Tocou saxofone, e depois violino.
_Ela tem uma banda, devia vê-la tocando bateria.
Jantamos juntos. Nos disse que queria se casar. Analisando seus olhos, que brilhavam bastante, quis saber quantos filhos pretendia ter.
Colocando na boca mais uma colher do seu sundae de chocolate, respondeu, com certeza:
_Dois.
Tirou a presilha que prendia seus cabelos castanhos e eles caíram em ondas pelas suas costas.
Respondi com um sorriso vazio. Ela só me olhou de canto.
Era feia, muito feia.

Talvez eu não esteja satisfeita. Base, batons e pó compacto. Salto fino, corselet. Prancha, escova progressiva, definitiva e alisamento japonês. Bronzeamento artificial na pele, clareamento artificial nos dentes. Sorriso artificial no rosto e felicidade artificial para mostrar ao mundo. E o mundo, sorri. Não passa de outro manipulado, a quem foi ensinado a aprovar o artificial.

Dias em que a cintura mais fina e o cabelo mais liso não faziam diferença, passaram.

Há um padrão. Egoísta, mau. Todos o conhecem. Há quem não o siga, mas todos o respeitam. E quando a aparência não importava? E quando o padrão pareceria uma idéia absurda? Não sei.

Talvez não esteja satisfeita. Mas em minha bolsa há um batom e um pó compacto. Me desculpem, mas não, eu não conseguiria viver sem o padrão. Nem vocês. Obrigada.